Visando aprofundamento em questões urbanas complexas dos tempos atuais, o presente trabalho parte de uma análise sobre como a cidade de São Paulo vem se desenvolvendo desde a década de 1950, quando foi registrado um crescimento populacional significativo. A partir dessa análise é possível compreender como esse desenvolvimento influenciou no surgimento das primeiras favelas na cidade. O trabalho se encerra apresentando um levantamento histórico da favela SPAMA, localizada na Subprefeitura Pirituba Jaraguá, Zona Norte de São Paulo. O intuito é registrar oficialmente o desenvolvimento da favela em questão dentro do contexto urbano, dando enfoque nas transformações ocorridas até os dias atuais.
CONTEXTO HISTÓRICO
Urbanização e crescimento da cidade de São Paulo
Até a década de 1930, o Brasil conservava um modelo econômico agrário-exportador baseado na produção e comercialização do café, que acabou por agravar o quadro de desigualdades regionais no país. Diante disso, São Paulo veio a se tornar a cidade com maior potencial de desenvolvimento industrial do Brasil, aumentando a demanda por mão de obra e acarretando, consequentemente, em altas taxas de crescimento populacional.
O processo de urbanização se deu com a incorporação de chácaras nas proximidades do centro e a expansão seguindo as ferrovias, fazendo com que São Paulo se tornasse uma cidade muito grande em área, mas com grandes problemas de ordenação do espaço e saneamento básico, produzindo uma urbanização predatória e desigual.
O processo de periferização
De acordo com dados da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional estimado atualmente na região metropolitana de São Paulo é de 596 mil unidades. Foi constatado que 72% desse déficit está concentrado na população com renda de até três salários mínimos. Caso as políticas públicas não sejam eficientes, o processo de favelização na periferia tenderá a se agravar.
Camargo (2010) relata que as pressões exercidas sobre o poder público para remover as favelas próximas dos bairros de classe média e alta, fizeram com que, na década de 1960, as ações de despejo e desfavelamento levassem os favelados a se mudarem para regiões mais distantes da cidade.
Se por um lado há o crescimento expressivo das periferias, por outro é possível observar áreas urbanas bem servidas de infraestrutura e serviços sofrendo redução da população. Os bairros centrais que circundam o centro histórico[1] passaram por um longo período de desinteresse por parte do mercado imobiliário devido em parte à grande quantidade de bens tombados que impede a verticalização.
Enquanto isso, os bairros do centro expandido[2] têm passado por um intenso processo de transformação, onde unidades unifamiliares são substituídas por grandes edifícios. É possível observar um processo de mudança imobiliária, onde há a troca da população pobre por um grupo com maior poder aquisitivo, gerando uma reorganização espacial, transformação do ambiente construído e por fim alteração nas leis de zoneamento. A esse processo dá-se o nome de gentrificação, que reflete muitas vezes, na redução da densidade de ocupação, fazendo com que as periferias metropolitanas ganhem população.
AS FAVELAS DE SÃO PAULO
A favela é um fenômeno urbano que se configura no território, sendo, portanto, parte integrante da cidade, um dos elementos da morfologia urbana que conformam seu desenho. (FRANÇA, 2009, p. 17)
As primeiras favelas de São Paulo surgiram na década de 1940, causando indignação na sociedade da época. É provável que a primeira favela da cidade foi a ocupação do terreno do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários), sendo ocasionada pelo despejo de famílias que ficaram sem ter para onde ir, para que pudesse ser implantado o Plano de Avenidas da Capital.
Em 1949, o prefeito Abraão Ribeiro determinou a demolição dos barracos e transferência dos moradores para um alojamento provisório, que veio a se tornar a favela do Glicério, que sofreu uma ação de despejo, oito anos depois, para que o terreno pudesse ser devolvido ao IAPI. Essa ação de despejo resultou na formação das favelas Canindé, Barra Funda, Piqueri e Ibiacaba, entre outras, em terrenos públicos.
Essas quatro favelas citadas foram alvo do plano de extinção de favelas elaborado pela Comissão de Assistência Social Municipal (CASMU), por ordem do prefeito Jânio Quadros, em 1953. França (2009) afirma que os moradores das favelas podiam optar entre recursos financeiros para a construção da casa própria ou para os primeiros meses de aluguel, resultando na remoção de 57,7% dos barracos. Com a troca de governo o trabalho foi abandonado e as favelas voltaram a crescer.
De modo geral, as unidades habitacionais são construídas de acordo com os espaços disponíveis e o traçado viário é irregular, uma vez que não foi definido previamente às construções, assim como ocorre com as redes de infraestrutura básica. Como consequência da falta de planejamento, a favela também não segue as normas de uso e ocupação do solo, desafiando as convicções do modelo urbano visto pelo setor privado como modelo oficial de utilização do solo.
Urbanização de favelas e qualificação urbana
Até a década de 1980 acreditava-se que a melhor solução para a questão das favelas na cidade era a remoção. Após diversas experiências, como as ações realizadas pelos prefeitos Abraão Ribeiro e Jânio Quadros, onde as ações de desfavelização apenas agravaram a situação, iniciou-se um processo de urbanização voltado para o saneamento, abertura de vias e iluminação pública.
Ao longo das últimas duas décadas veio se desenvolvendo o conceito de qualificar e integrar as favelas à cidade, afim de proporcionar melhores condições de vida aos moradores, que na maior parte das vezes são os responsáveis por buscar apoio e iniciar as transformações.
Busca-se transformar o que era antes precário em um bairro habitável através de investimentos em infraestrutura básica de saneamento, abertura de acessos que possibilitem a diluição de barreiras materiais com o bairro vizinho e a criação de espaços públicos que sirvam de referência para os moradores e contribuam para a diluição da fronteira simbólica entre a favela e a cidade. (FRANÇA, 2009, p. 13).
O conceito de pluralidade urbana incorpora os esforços anteriores das famílias como ponto de partida para futuras intervenções. São observadas conexões com a vizinhança e há a preservação da estrutura formal do adensamento. É incorporado o esforço anterior realizado pelas famílias na proposição de futuras intervenções.
A FAVELA SPAMA
Caracterização da área envoltória
A favela SPAMA está localizada na Subprefeitura Pirituba Jaraguá, Zona Norte de São Paulo, que nasceu a partir de uma fazenda adquirida pelo coronel Anastácio de Freitas e que posteriormente foi urbanizada pela Cia. City.A região possui como principais elementos estruturadores o Rio Tietê e a linha 7 – Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Atualmente, Pirituba é um dos polos industriais da cidade de São Paulo, sendo composta pelas indústrias instaladas, por residências, estabelecimentos comerciais e instituições. A área onde está situada a SPAMA apresenta predominância de uso residencial e terrenos vazios, com proximidade a modais de transporte público, como trem e ônibus, equipamentos educacionais e de saúde.
História e desenvolvimento até os dias atuais
A favela SPAMA iniciou sua formação acerca de 35 anos atrás de forma espontânea e desorganizada. Moradores locais relataram que no início viam a SPAMA como algo que não poderia ser vencido, pois não havia esgoto, não havia água e nem energia elétrica. Boa parte da favela era tomada por uma montanha de lixo, até que obras realizadas em terrenos vizinhos precisavam retirar terra e pediram para que o lixo da favela fosse espalhado para que pudessem cobrir a superfície de terra. A partir daí começaram a chegar mais pessoas para morar na SPAMA.
Até o início dos anos 2000, o terreno onde a favela está implantada constava nos registros oficiais apenas como uma mata fechada. Ali moravam cerca de 200 famílias totalmente ignoradas pelos órgãos públicos, não tendo acesso à infraestrutura básica e a um endereço.
A favela está inserida dentro do perímetro delimitado para a Operação Urbana Consorciada Água Branca, que objetiva desenvolver e qualificar a região. Com a valorização local e a chegada de novos empreendimentos, surgiram abaixo assinados para remover a favela, que em 2010 resultaram em um pedido de reintegração de posse. Quando a prefeitura tomou conhecimento sobre a ocupação da área a situação pode ser revertida, fazendo com que os moradores passassem a se unir e se organizar e conferindo a eles um endereço, que garante o direito à escola, à saúde e ao trabalho.
Atualmente a SPAMA está inclusa na Lei de Zoneamento 16.402/16 como ZEIS 1 – Zona Especial de Interesse Social caracterizada pela presença de favelas e loteamentos irregulares, habitadas predominantemente por população de baixa renda. Uma vez inclusa na Lei de Zoneamento a favela pôde passar a ser abastecida pela SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
Diversos grupos voluntários, como “Aroeira Ateliê” e “Teto”, contribuem com o desenvolvimento da SPAMA. Porém, até 2011 a favela se encontrava em uma situação de completo abandono, na qual nenhuma entidade, de nenhum caráter, havia entrado ali. Por iniciativa dos próprios moradores, o Instituto Neotrópica , dirigido pelo geógrafo Marco Aurélio Oliveira, pode iniciar um trabalho de transformação dentro da favela, em conjunto com professores e alunos do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, englobando soluções de habitação, saneamento, educação e artes.
Desde o início tinha-se em mente o objetivo de realizar as mudanças de forma livre de metodologias, deixando o caminho aberto para o improviso, que permite desenvolver a comunidade respeitando o tempo e as escolhas de cada indivíduo. Foi assumido o compromisso de manter as pessoas em suas casas e em seu bairro, oferecendo condições para aumentar a qualidade de vida dentro do espaço onde estão habituadas e com o qual sentem identificação.
Ficou acordado com os moradores que inicialmente não seria trabalhada a questão da água, mas sim a questão do esgoto, que era de extrema urgência para todos. Com o auxílio de parceiros privados e empenho dos moradores e de voluntários, foi possível implantar a rede de esgoto, sendo esse o primeiro passo para as demais mudanças.
O Instituto Neotrópica busca investir na formação das pessoas por meio de cursos, que têm sido a porta de entrada de muitas dessas pessoas para o mercado de trabalho, significando independência e a esperança de uma vida melhor. A favela SPAMA fica localizada na Av. Raimundo Pereira Magalhães, nº 2750 e abriga atualmente cerca de 330 famílias.
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